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“A minha fuga de Angola...” e outra estória

 

 

O domingo nasceu alegre, com mais uma hora de lazer.

Abri a luz do candeeiro da mesa de cabeceira, puz os óculos e refugiei-me nA minha fuga de Angola – do que ficou ao que trouxemos de África, de Amélia Meireles (AM).

Sabe sempre bem revisitarmos pessoas e locais, acontecimentos felizes e trágicos de uma terra onde passei quatro anos decisivos da minha juventude e onde constituí família.

Aquele é um livro de memórias e afetos, auto-biográfico, onde a autora, numa narrativa entusiasmante, liberta a “recordação dos cheiros, das cores, das imagens que calaram fundo, porque são ímpares e exclusivas de um continente que  acredito ser mágico”. (pag 12) 

Quando se vive em África não mais de lá saímos. Ainda que fisicamente distantes, estamos presos a um mundo mágico que nos enfeitiçou para sempre.” (pag 11)

AM narra a “saga de uma fuga” de Angola, terra por ela adoptada, de onde saíu “sem mágoa, sem azedume, mas com a vontade de quem ao longo da vida encontrou sempre o aspecto positivo que marca, a cada tempo, o reiniciar para outras etapas.

Este livro é também o retrato de vivências enclausuradas de centenas de milhar de pessoas que abandonaram aquela colónia portuguesa.

Despojados dos seus haveres, os regressados ou retornados esqueceram naturais ressentimentos e alimentaram a esperança de novas vidas. Com valentia e capacidade empreendedora experienciada em tempos difíceis de guerra colonial fratricida, venceram barreiras e instalaram-se, com êxito, de norte a sul do país. Alguns, afirmando a nossa resiliência e determinação, rumaram para as Américas e Europas.

Presentemente, parece que a história, uma vez mais se repete.

Angola, subjugada aos interesses dos dois blocos militares, libertou-se, com a queda do poder soviético. As armas calaram-se, mas os conflitos sociais  e a insegurança persistem. Nada que os portugueses não tenham experimentado, por vezes com dor e morte.

Com a crise nacional, Angola volta a ser o destino de milhares de trabalhadores portugueses, alguns descendentes dos antigos colonos.

Vão sem ressentimentos, com o único objectivo de trabalhar, ter um salário condigno e desenvolver aquele promissor país. Como nos anos 50 e 60 do passado século – pensei eu ao ler “A minha fuga de Angola...”

Hoje, tenho uma hora a mais para ler, para passear, para conviver...

Saltei para o carro e rumei à estação de serviço mais próxima. A gasolina está cara. O melhor é aguardar mais uns dias pela próxima descida. O que não pode esperar mais é a lavagem do carro - considerei.

Quando esperava na fila, reconheci um moço simpático, filho do Eugénio Paulo, meu conterrâneo, um dos gémeos, que há 20 anos, numa das festas da creche, deliciara os presentes, pelo seu ar cómico, com uma pequena rábula infantil.

-Nunca mais foste ao Pico? – perguntei ao aproximar-me do rapaz.
-Fui lá no Verão, ao casamento do meu primo Lerry. Conheci tantos primos... o senhor também é da minha família?
-Não, sou amigo e conterrâneo do teu pai.
-Julgava, porque há uns anos, vi o senhor falar com o meu pai...

Sempre com trato delicado e atencioso para os clientes, sem descurar a limpeza cuidada das viaturas, o moço foi-me respondendo às minhas atrevidas perguntas, feitas sobretudo pela simpatia que nutro pelos meus conterrâneos e conhecidos. Até que vieram os estudos, no pressuposto, talvez errado, de que eles são sucesso garantido de uma boa carreira profissional.

- Estou aqui porque disse a meu pai, quando acabei o 12º ano, que não queria estudar mais e, se fosse para a Universidade, ia gastar muito dinheiro – confessou-me ele. - O meu irmão talvez pudesse ter ido, mas tirou um curso profissional de cozinheiro e já trabalha!...

Grande lição de alegria, simplicidade, de delicadeza, de trato humano, me deu este jovem, de vinte e poucos anos, neste domingo de 25 horas.

Que sabe ele das causas da crise, cujos efeitos atingem milhares e milhares de açorianos e portugueses por esse país fora?...Mas isso que importa?

Sem complexos nem constrangimentos, na força da sua juventude, deitou mãos ao trabalho e fá-lo com gosto e alegria.

Oxalá outros lhe sigam as pisadas, convencidos de que, com o seu contributo, podem também construir um mundo melhor.

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